Segundo o dicionário eletrônico Michaelis, simplicidade é o estado, qualidade ou natureza do que é simples, e ainda, é a despretensão, desafetação, modéstia.
Acredito que uma das palavras ainda pouco compreendida, e, vivida pelo cristianismo seja: a SIMPLICIDADE. Embora tenhamos um dicionário para auxiliar-nos em sua explanação, demonstrando que se trata até mesmo de um estado, ou ainda qualidade do que é simples, parece-nos que tal explicação se encontra em outro idioma.
Mas, essa dificuldade não é só em nossos dias, foi também nos dias do Mestre, pois muitos estavam vivendo na expectativa do surgimento de um “Grande Líder”, que tomaria o “poder” das mãos dos líderes tiranos e algozes da época. Com a iminência desse homem, a sorte de muitos mudaria, pois, quem sabe, sobraria até mesmo uma vaga no novo governo, e assim, o “Povo” de Israel (alguns poucos interesseiros) estariam comandando novamente a massa.
Essa iminência gerava o sonho de como se diz: “ter um governo só nosso”. Voltar mais uma vez ao tempo das vacas gordas, da pomposidade, da época áurea, afinal, Israel não passava de um vassalo social, que por imposição, tinha que digerir goela abaixo as marionetes posta pelo governo romano para liderar o povo “livre” de Israel. Obviamente, não existiria uma notícia melhor do que essa, que em Belém nasceu o Rei dos Judeus, e, essa era a oportunidade que todos esperavam.
A expectativa era muito grande, o Rei dos Judeus! Quem será, como será ele, será que teremos outra revolta dos macabeus? Ou ainda dos zelotes? Como esse novo rei tomaria o “poder político” (esse era maior anseio do povo) das mãos dos tiranos, quando será o alistamento para a batalha? Essas, eram perguntas que permeavam a cabeça do povo. E Deus, como estava vendo a situação? Parece-me que se pudéssemos viajar no tempo e naqueles dias tivéssemos acesso ao coração de Deus, perceberia que seu projeto era outro.
O apostolo Paulo descreve o projeto original de Deus dizendo: “Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei” (Gl 4.4), e ainda acrescenta que Cristo, “... sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, 7 Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; 8 E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz." (Fp 2.6-8). Isto é, o Senhor Jesus abriu mão de sua glória celeste, de seu poderio, só para vir a este mundo cumprir os desígnios do Pai, e demonstrar o quanto Ele nos ama.
Ele era Rei, todavia não teve um quarto digno para nascer, pois nascera em um estábulo, ele era Rei, entretanto não teve um berço para se deitar ao nascer, pois teve que dormir em uma manjedoura, ele era Rei, mas teve que trabalhar como humilde carpinteiro juntamente com seu pai José, ele era Rei, porém viveu uma vida simples desde a sua origem, ele era Rei, mas escolheu assessores simples (pescadores, publicanos entre outros), a sua maior glória, na verdade foi uma grande ignomínia, pois na via dolorosa, ironicamente fora coroado de “rei”, e a sua coroa? Ah, fora de espinho, os seus súditos foram os próprios verdugos “salve ó rei”. Agora chega o momento íngreme, a crucificação, esse foi o ponto de vitupério, espetáculo, e humilhação.
Acabamos com a pompa desse reizinho, pensavam os religiosos e os governadores da época, por outro lado parece que dá para escutar o grito silencioso dos corações daqueles dois discípulos que iam no caminho de Emaús: “Jesus, a decepção dos homens!”. Acabara o sonho de governar, fazer parte da elite, de estar na mídia, a nossa promessa de um rei acabou. Mas uma vez a visão humana diverge da visão de Deus, não era esse o objetivo, o reino promovido pelo Senhor é melhor do que qualquer reino que já existiu ou existirá nesta terra, pois todos tiveram fim, mas o reino do Senhor Jesus permanece de eternidade a eternidade.
Por que Deus permitiu uma vida de simplicidade para o seu filho? Porventura Ele não tinha poder para dar ao Senhor Jesus todas as coisas? Para quê tanta humildade, se Cristo era o Unigênito do Pai? Será que Deus é sádico, que sente prazer na humilhação, ou nas dores dos outros?
Não. De maneira nenhuma, o que de fato o Senhor nosso Deus quis ensinar era: não importa quem você é, ou o cargo que ocupa, todavia a tua vida deve ser vivida em simplicidade, e para isso Ele deu exemplo através de seu filho, onde Cristo é a personificação da simplicidade. O Senhor Jesus tinha poder, tinha glória, mas abriu mão para dar e ser o exemplo, por isso, com tanta autoridade ele ensina “...sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10.16), prudência e simplicidade, entendemos muito bem o que é ser prudente, pois nos fala de maturidade, perspicácia, vigilância, todavia fazemos questão de omitir a simplicidade, pois fala de singeleza de vida e coração (At 2.46; Cl 3.22.), e isso não é tão fácil.
Eis a grande decepção dos homens, todos nós queremos nos vangloriar de alguma coisa, esnobar pompa, eu sou isso, eu fiz aquilo, sou o filho de fulano, minha mãe é fulana de tal, até mesmo os discípulos esperavam a restauração do reino terreno (At 1.6), mas quando esbarramos na vida de Cristo, percebemos que não compreendemos a mensagem, ficamos decepcionados, ele é Deus, tudo foi feito por ele, por meio dele, para ele, e sem ele nada do que foi feito se fez (Jo 1.1-3; Cl 1.16-17), entretanto viveu em simplicidade, não tem para onde fugir, se somos de Cristo devemos viver nos passos de Cristo.
Estamos vivendo dias dos quais Robson Cavalcante vaticinou “todos buscam um lugar na corte de Herodes”, a pomposidade nos atrai, o estrelato tem invadido as nossas igrejas, o despotismo tem sido uma peste perniciosa, muitos cobiçam, cogitam às escuras, o pensamento de ser alguma coisa, ainda nos engodam, queremos apresentar algum status, queremos dizer sou isso, sou aquilo, quando na verdade não somos nada, e ao assumirmos posições de destaque prezamos mais pela aparência do que a essência. Nos distanciamos da simplicidade do evangelho, nos distanciamos das palavras inflamadas do apóstolo Paulo que ele se gloriava apenas na cruz de Cristo, ou seja no símbolo de humilhação e redenção.
Por não saber, ou ainda não querer entender, estamos perdendo a simplicidade genuína do evangelho, pergunto-me se teríamos simplicidade o suficiente para em meio a nossa caminhada ministerial parar para atender um cego e mendigo como fez o Senhor Jesus, comparando hoje, será que pararíamos o nosso carro para dizer a um desconhecido e maltrapilho na rua: qual é a tua necessidade, o que posso fazer por você? Se muitos de nossos irmãos padecem necessidades, quanto mais os mendigos desta vida. A falta de simplicidade tem nos distanciado da singeleza do evangelho genuíno.
Cada dia que se passa nos tornamos mais “gospel” e menos crente, mais “evangélicos” e menos servo, todavia não podemos esquecer que até o Filho de Deus declarou que veio para servir, quanto mais nós que somos feitos filhos de Deus por adoção pela sua graça e misericórdia, temos que muito mais ainda servir com um coração voluntário, pois não podemos esquecer que somos enxertos (Rm 111.17-24) .
Para nos tornarmos simples temos que renunciar muita coisa que achamos ser boa, abrir mão de muitas vaidades, descer do nosso pedestal de orgulho e nos tornamos comuns, mas assim como aquele jovem rico, preferimos andar sem Jesus (ainda que aparentemente o sirvamos) do que abrir mão daquilo que chamamos riqueza na qual está preso o nosso coração.
Como Deus tem visto a simplicidade de seu povo? Será se ele aprova o que temos feito, de como temos vivido, nos orgulhamos de dizer “somos filho do Rei e por isso nada tenho falta”, e achamos com isso que o Senhor tem nos aprovado. Se pudéssemos mergulhar no infinito altar da presença do Senhor e lá mesmo que por um instante pudéssemos olhar para nossas vidas o que sentiríamos? Qual seria a nossa reação?
Para não termos surpresas ao olhar dentro de nós mesmos, precisamos mais do que nunca dar um basta nesta situação, e buscar viver na simplicidade, na singeleza de coração, destituídos de nossas vaidades pessoais para que assim, possamos pregar um evangelho simples e não simplista, um evangelho transformador, e não maquiador, e que cada irmão não se escandalize em nós, mas possa ver a Sombra do Onipotente sobre nossas vidas, e por fim possam testemunhar que somos irmãos e temos tudo em comum, quer seja no partir do pão, na doutrina dos apóstolos, na comunhão ou na oração (At 2.42; 2Co 8.14-15)
Por isso, revistamos a nossa natureza da simplicidade de Cristo e retenhamos a qualidade do que é simples, para que no presente século, possamos demonstrar não apenas a maturidade e perspicácia, mas também a simplicidade de uma vida transformada pelo evangelho da simplicidade de Jesus.
Provai e vede que o Senhor é bom!
By Pr Maxsuel Pedreira